quarta-feira, 25 de julho de 2007

Estatais convivem com discriminação da mulher

Liana Melo

Só 8% têm selo do governo que atesta redução da desigualdade entre os sexos. Brasil apresenta hoje iniciativa na ONU

A mineira Elza Kallas é uma exceção à regra nos 53 anos da Petrobras. Ela é a primeira mulher a comandar uma unidade industrial da empresa: a mina de xisto de São Mateus do Sul, no Paraná. À frente de 980 funcionários, 90% deles homens, Kallas coordena uma produção diária de 7,8 mil toneladas de xisto. Mãe de dois filhos, seu sonho é que um dia as mulheres ocupem mais cargos de comando, não só na Petrobras, mas no mercado como um todo, e que sua ascensão profissional, num universo dominado por homens, vire rotina.

A Petrobras e outras dez empresas são as únicas a ostentar o Selo Pró-Eqüidade de Gênero entre as 136 estatais brasileiras (8% do total). Lançada em 2006, a certificação do governo federal é considerada uma iniciativa inédita no mundo no sentido de melhorar a situação do país no tocante a igualdade entre os sexos. O setor elétrico, energético e mineral é o mais representado no selo.

A edição 2007 do selo recebeu 50 inscrições, 17 delas vindas de empresas do setor privado. A divulgação do resultado está prevista para agosto. O programa conta com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem).

Ministra apresenta avanços nas Nações Unidas

A iniciativa será apresentada hoje, em Nova York, pela ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, durante a 39ª sessão do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), das Nações Unidas. Apesar dos avanços obtidos recentemente, trajetórias como a de Kallas ainda se contam nos dedos.

Não é à toa que o Brasil está entre os dez países do mundo com os piores indicadores de desigualdade de gênero entre 58 países, segundo Pesquisa Executiva de Opinião, do Fórum Econômico Mundial, de 2006. O Brasil ficou na 51ª posição, atrás de Venezuela e Grécia, e à frente de países muçulmanos como Paquistão e Jordânia.

Indicadores de participação da mulher na política e de saúde e bem-estar empurraram o Brasil para o fim do ranking. A participação da mulher no mercado de trabalho registrou avanços, mas está longe de ser exemplar. A pontuação do Brasil foi de 3,29. O Egito, que ficou em último lugar, ganhou nota 2,38. A nota máxima era sete.

Nenhum país passou com louvor, mas a Suécia conseguiu ficar em primeiro com 5,53 pontos. Nem mesmo os países nórdicos, reconhecidos como sociedades liberais que garantem direitos e sistemas previdenciários, conseguiram reduzir as diferenças aos mais baixos índices, eliminando completamente as disparidades entre os sexos.

Segundo o Banco Mundial , nos países onde as diferenças entre homens e mulheres são menores há menos pobreza, e o crescimento econômico também é mais rápido. Já naqueles que discriminam com base no sexo, esses indicadores são inversamente proporcionais: a pobreza é maior, a corrupção idem e o crescimento econômico é mais lento. O Bird também constatou que a pobreza tem sexo, daí a expressão "feminização da pobreza".

- É freqüente a idéia de que o custo da mão-de-obra feminina é superior ao da masculina devido aos gastos com licença-maternidade e cuidados com os filhos. Só que está provado, estatisticamente, que o absenteísmo nas empresas é motivado por acidentes de trabalho, preferencialmente - analisa a coordenadora nacional do Comitê para as Questões de Gênero, do Ministério de Minas e Energia, Beatriz de Faria.

Em Furnas Centrais Elétricas, por exemplo, funcionários que ocupam o mesmo cargo recebem salários diferenciados dependendo do sexo. Se for homem, a remuneração é maior. Empregados com 11 anos de estudos ou mais recebem R$1.492,70 de salário, contra R$874,44 pagos às funcionárias mulheres, informou Beatriz.

- Apesar do crescimento contínuo da participação da mulher no mercado de trabalho, a inserção se dá de forma desigual. As mulheres predominam em funções de menor remuneração e ganham menos do que os homens, mesmo em funções iguais e trabalho igual - comenta a subsecretária de Articulação Institucional da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Sônia Malheiros.

Selo e lei contra violência doméstica entre os avanços

O relatório que o Brasil apresenta hoje na ONU vai destacar avanços, como o selo e a Lei Maria da Penha - sobre prevenção à violência doméstica - e, sobretudo, os desafios necessários para reduzir a desigualdade entre os sexos. O aborto, por exemplo, é considerado pela delegação brasileira em Nova York um entrave à luta pela eqüidade de gênero, já que sua prática ilegal é responsável, em grande parte, pela mortalidade materna no país.

"É necessário traduzir essas orientações em iniciativas práticas e dar convergência à ação do setor público, por meio de uma estratégia de desenvolvimento com crescimento associado à redução das desigualdades sociais e regionais, à promoção da igualdade de gênero, raça e etnia e à manutenção sustentada da estabilidade fiscal e de preços", vai discursar a ministra.

Fonte: o Globo

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