sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Governo propõe o fim das demissões sem justa causa

Para sindicalistas, mudança levará à extinção da multa rescisória de 40% do FGTS
Nova regra está incluída em convenção da OIT à qual o governo Lula decidiu aderir; Congresso Nacional precisa aprovar regulamentação

O governo enviou ontem ao Congresso pedido de ratificação de uma convenção internacional que acaba com a demissão sem justa causa no mercado de trabalho. Se aprovada, a medida levará um ano para entrar em vigor e impedirá as empresas de demitir funcionários sem justificativa. Na avaliação de sindicalistas, isso levará ao fim da multa rescisória de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O Ministério do Trabalho discorda.

A ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) é um antigo pleito do movimento sindical. O documento internacional já havia sido assinado pelo Brasil, mas, em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso denunciou a convenção. Ou seja, suspendeu a adesão do país ao documento.

Na época, a avaliação era que o mecanismo estava engessando as relações de trabalho, pois o Judiciário interpretava que a norma garantia estabilidade no emprego.

Ontem, o governo destacou que a medida tem o objetivo de acabar com as demissões aleatórias, que não sejam motivadas por faltas graves ou dificuldades financeiras das empresas. "Isso não significa que as empresas nunca poderão demitir. Se a empresa tem motivações consistentes, precisa explicar e discutir com as entidades sindicais", afirmou o secretário-geral da Presidência da República, Luiz Dulci.

Segundo ele, a medida deverá frear a elevada rotatividade no mercado de trabalho brasileiro. No ano passado, 14,3 milhões de pessoas foram admitidas, e 12,7 milhões, demitidas. "A ratificação é fundamental não para o trabalhador ter estabilidade no emprego, mas para criar obstáculos à demissão", afirmou o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Artur Henrique.

O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), defendeu a medida, mas alertou: "A ratificação acaba com a multa do FGTS e vai abrir a porteira para as empresas poderem demitir os trabalhadores. Temos de ficar atentos, e a multa tem de continuar". "Precisamos chamar o empresariado para conversar. É preciso definir um outro tipo de indenização", disse Henrique.

Multa

O Ministério do Trabalho informou que a ratificação da 158 não acaba com a multa rescisória, pois isso está fixado na Constituição. O artigo 7º prevê indenização ao trabalhador demitido na forma definida em lei complementar. Até sair essa regulamentação -o que até hoje não ocorreu-, os constituintes decidiram que fica valendo o estabelecido nas disposições transitórias da Constituição, que é a multa de 40% do FGTS.

A Folha apurou, no entanto, que o Trabalho avalia que a ratificação da 158 abrirá caminho para a regulamentação do artigo 7º. Na prática, seria o fim da multa de 40%, mas haveria a substituição por outro tipo de indenização.

Para o professor de direito do trabalho da USP Otávio Pinto e Silva, essa é a tendência natural da ratificação. "A simples ratificação não acaba com a multa, mas dá um novo tratamento para as demissões. Com isso, será necessário estabelecer um novo procedimento para as dispensas e qual as indenizações nesses casos", explicou.

Já a professora da PUC/SP Fabíola Marques acha que a interpretação de que a Convenção 158 acaba com a multa é "muito exagerada". Para ela, depois de ratificada, a norma internacional passa a ter o poder de uma lei ordinária, revogando os dispositivos legais existentes que sejam divergentes. "Mas essa revogação ocorre apenas para beneficiar o trabalhador", declarou.

A Convenção 158 já foi assinada por 34 dos 180 países-membros da OIT, entre eles, França, Portugal, Espanha, Austrália, Finlândia e Venezuela. Entre os motivos considerados injustificados para demissão, estão: questões políticas, vínculo sindical, gravidez, raça e sexo.

Além da 158, o governo encaminhou ao Congresso o pedido de ratificação da Convenção 151, que garante o direito de negociação coletiva para os servidores públicos.

Folha de S. Paulo

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