segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A consolidação da legislação federal e a CLT

Ives Gandra Martins Filho - Ministro do TST, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

O Constituinte de 1988, ao tratar do tema do processo legislativo, estabeleceu que seria editada lei complementar que dispusesse sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (CF, art. 59, parágrafo único). Dando cumprimento ao comando constitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 95, em 1998, que ditou normas gerais, estabelecendo padrões para a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação da legislação federal.

Regulamentando a LC 95/98, foi editado o Decreto n° 2.954, em 1999, que pormenorizou as normas de elaboração e redação dos atos normativos de competência dos órgãos do Poder Executivo, neles incluídos os projetos de lei (inclusive de consolidação) que tramitarão no Congresso Nacional e as medidas provisórias (hoje substituído pelo Decreto nº 4.176/02). Duas inovações fundamentais que a LC 95/98 trouxe para nosso sistema legal foram:

a) adoção da sistemática alemã de inserção de novos dispositivos nas leis vigentes, sem renumeração dos dispositivos seguintes, através da colocação de letra após o número do artigo (ex: art. 896-A da CLT), dando-se preferência às denominadas leis-agulha (que apenas inserem no tecido de lei matriz dispositivos novos), em vez de se editar lei extravagante sobre o assunto;

b) vedação à expressão genérica, no fim do diploma legal, de “revogam-se as disposições em contrário” (o que dá azo a discussões sobre a compatibilidade entre a lei nova e as já existentes, para efeito de se considerar tacitamente revogadas as anteriores), exigindo-se que sejam elencados expressamente os dispositivos legais a serem revogados, por incompatíveis com a lei nova.

Quanto ao programa de Consolidação da Legislação, seu objetivo principal é o de propiciar a democratização do acesso à legislação. Sendo princípio básico de nosso ordenamento jurídico aquele segundo o qual “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (LICC, art. 3°), deve-se, em contrapartida, dar ao cidadão todas as condições de conhecer as leis que lhe regem a conduta em sociedade. Conforme consta do Portal da Câmara dos Deputados, “a consolidação das leis consiste em evitar a confusão de textos contraditórios, eliminar os preceitos ultrapassados, revisar e organizar as normas existentes sobre um mesmo assunto, e condensá-las em uma só lei, evitando que se sustente a morosidade da Justiça, a aplicação inadequada de penas e a impunidade”.

Com efeito, os dois principais problemas que enfrenta o cidadão comum no trato com a legislação que lhe diz respeito são:

a) o excesso de leis, que torna muitas vezes difícil saber quais as vigentes ou não, mormente quando seus comandos são, muitas vezes, contraditórios ou repetitivos;

b) a linguagem hermética e pouco clara com que são redigidos muitos dos diplomas legais, gerando controvérsias sobre que comando efetivo delas emana.

O programa de consolidação da legislação federal visa justamente tornar nosso ordenamento jurídico mais enxuto e mais claro, facilitando a vida tanto do cidadão, que terá condições de saber quais as leis que lhe dizem respeito, quanto do operador do direito (juiz, procurador ou advogado), que poderá aplicar a legislação existente de forma mais precisa e segura. Menos leis e leis mais claras geram menos controvérsias e tornam a administração da Justiça uma tarefa mais rápida e menos traumática para o jurisdicionado.

Iniciado no âmbito do Poder Executivo em 1998, o programa de Consolidação da Legislação Federal teve como primeiro coordenador o ora presidente do STF, ministro Gilmar Ferreira Mendes (então subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República), que culminou com o envio de vários projetos de lei de consolidação ao Congresso Nacional (bem como com a inserção em meio magnético de toda a legislação federal vigente e revogação expressa de centenas de dispositivos já tacitamente revogados, mas que continuavam a constar como vigentes no sistema). Atualmente, o programa foi retomado pela Câmara dos Deputados, por iniciativa e empenho do deputado Cândido Vacarezza (que promoveu a consolidação da legislação estadual paulista, quando deputado estadual), constituindo-se o GTCL (Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis), integrado por deputados dos mais notáveis e atuantes que a Câmara possui.

Entre os projetos de consolidação, destaca-se o da CLT (PL 1987/07), que visa a trazer para dentro do texto original toda a legislação extravagante trabalhista e processual trabalhista (mais de 200 diplomas legais esparsos, editados após a CLT).

As críticas que o projeto sofreu se devem, fundamentalmente, à confusão feita entre consolidação e lei nova: atacou-se o projeto por não ser inovador e só agregar a legislação vigente. Ora, esse é o único objetivo do projeto: compactar toda a legislação trabalhista em um único diploma legal, facilitando o acesso e depurando o que já estiver tacitamente revogado. Uma vez feita a nova CLT, a partir daí toda matéria trabalhista nova deverá ser necessariamente inserida na CLT, acabando-se com leis trabalhistas esparsas. A importância disso só não percebe quem não tem olhos para distinguir entre um sistema complexo e pulverizado de um sistema unificado e ordenado.

Assim, os critérios que norteiam a apreciação, pelo Congresso Nacional, dos projetos de consolidação de leis, não são de natureza política, ligados à conveniência, ou não, de se ampliarem ou reduzirem direitos (o que implicaria discussões intermináveis e pressões políticas de sindicatos e empresários), mas de natureza eminentemente técnica (a serem discutidos fundamentalmente por juristas), ligados a: a) fidelidade do texto consolidado às normas vigentes (verificar se não se omitiu nenhum dispositivo vigente); b) otimização na reorganização do texto consolidado (melhor disposição da matéria); c) oportunidade de inserção de determinadas matérias afins ao tema central da consolidação (maior compactação do ordenamento jurídico, com menor número de leis).


Nesse sentido, o único pecado do projeto de nova consolidação da CLT, em sua versão atual, a nosso ver, é o de não incluir em seu bojo a legislação sobre as profissões regulamentadas, que deveria compor a parte especial da CLT, a qual contempla hoje um título referente às “normas especiais de tutela do trabalho”, incluindo bancários, telefonistas, músicos, operadores cinematográficos, ferroviários, marítimos, trabalhadores em frigoríficos, estivadores, mineiros, jornalistas, professores e químicos.

De qualquer forma, auguramos sucesso ao projeto de Consolidação da Legislação Federal, em especial o da CLT, em nome da democratização do acesso à legislação e da simplificação da vida do cidadão e dos operadores do direito.

Correio Braziliense

Um comentário:

Anônimo disse...

acredito que que se as leis da CLT forem mantidas para que o trabalhador possa ter paz, ela deve passar sem problemas, caso o contrário ocorra, todo mo trabalho até aqui feito para facilitar a vida do trabalhador será pedida. Gostaria de saber por que razão os técnicos em biblioteconomia não possuem pisos salariais e respeito perante as demais classes operárias, com sindicatos, estatutos, e vivem sem o menor apoio, tendo o profissional da área deixado a deriva.
desde já agradeço
Édina Fell