Tornar-se um funcionário público voltou a ser um dos sonhos da classe média brasileira. Só neste ano, 100 00

0 novos cargos serão disputados em concursos que atraem milhões em busca de bons salários, estabilidade, ascensão na carreira e até prestígio profissional Até pouco tempo a ordem natural das coisas no Brasil era que, em busca de progresso social e econômico, os filhos de pais funcionários públicos procurassem carreiras como profissionais liberais ou em grandes empresas privadas. Hoje o sentido da corrida se inverteu. Um dos grandes sonhos da classe média brasileira que começa a vida economicamente ativa é passar em um concurso que dá acesso a um emprego público na União, no estado ou na prefeitura. Pelo volume e pela qualidade dos cargos oferecidos, a corrida por cargos públicos não tem precedentes na história brasileira. Trabalhar para o estado tornou-se a opção preferencial de um enorme con
tingente de jovens recém-saídos da faculdade e até de profissionais sem maiores chances de ascensão no setor privado. A proporção de funcionários públicos entre os trabalhadores com carteira assinada no Brasil passou de 17%, na década de 80, para 22%, hoje. É uma proporção maior do que a do Chile, da Argentina, dos Estados Unidos, da Inglaterra. Ela só é menor do que na França (23%), entre as democracias industriais modernas do Ocidente. Parte disso se explica pela cruel lei das burocracias, segundo a qual, deixadas à própria sorte, elas crescem de tamanho e ampliam indefinidamente seus privilégios. Outra parte se explica pelo gigantismo do estado brasileiro, que obriga os cidadãos a trabalhar 145 dias por ano, ou cinco meses, ou, para ficar ainda mais claro, de janeiro a maio, só para custear as despesas do governo. Mas a questão não se esgota nisso. Do lado positivo, as novas levas de funcionários públicos estão ajudando a criar burocracias mais eficientes e menos delinqüentes do que aquelas que tornaram a palavra guichê sinônimo de inferno no Brasil. No ano passado, 5 milhões de brasileiros inscreveram-se em três centenas de concursos promovidos no país para preencher vagas em repartições federais, estaduais e municipais. Isso representa 43% a mais de candidatos do que no início da década. Em 2007, as inscrições para concursos públicos devem bater novo recorde, já que 100.000 empregos estão previstos até o fim do ano. Diz o economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas, especializado em gestão pública: "O setor público, pela primeira vez em décadas, tornou-se mais desejado do que o privado. Essa preferência é um marco na história dos empregos no Brasil e no perfil da força de trabalho". O estado brasileiro emprega hoje mais de 9 milhões de cidadãos, segundo o IBGE. "Os governos voltaram a ser os maiores e melhores empregadores do país", diz o cientista político José Matias Pereira, da Universidade de Brasília (UnB). "Em nenhum outro lugar um funcionário vai encontrar salários tão bons, acompanhados de benefícios." Pereira, autor de um estudo sobre o perfil do funcionário público entre 1970 e 2004, acredita que a valorização da carreira pública que se verifica hoje só é similar à registrada há três décadas. "Nos anos 60 e 70, fase do chamado milagre brasileiro, o setor público oferecia salários altos para conquistar talentos. Isso voltou a acontecer", diz ele. Nos cursos preparatórios para concursos, essa mudança de perfil fica ainda mais clara. "Há dez anos, o aluno-padrão tinha entre 40 e 60 anos. Hoje, nossas salas se parecem com as dos cursinhos para vestibular. Estão lotadas de jovens de 25 anos, mais da metade deles recém-saídos das universidades", diz Thiago Sayão, diretor da Meta Concursos, uma das maiores escolas preparatórias para concursos do país. O carioca Renato Travassos, de 31 anos, analista do BNDES, optou pelo serviço público mesmo com boas possibilidades de sucesso no setor privado. Filho de pai médico e mãe professora, ele se formou em economia e direito. Em seu currículo constam estágios em empresas como o banco Itaú e a Shell. Ele depõe: "Tive a chance de experimentar os dois ambientes e compará-los. No setor público, tenho mais oportunidade de progredir". O mercado de trabalho privado está muito mais competitivo. Com a multiplicação dos cursos superiores no país, a quantidade de jovens que saem com um diploma nas mãos em busca de emprego cresce em proporção geométrica. Com uma taxa nacional de desemprego na casa dos 10%, é natural que a pressão seja aliviada pelo retumbante setor público brasileiro. Mas só isso não explica o fascínio que o funcionalismo exerce nos brasileiros. O principal motivo pelo qual tanta gente se inscreve nos concursos é que trabalhar para o governo oferece hoje um pacote de recompensas muito maior do que no passado. Nos últimos dez anos, o salário médio de um funcionário público da esfera federal passou de 1 400 para 4 700 reais. Essa remuneração é 97,3% maior do que a média do setor privado. De acordo com um levantamento recente, entre 1992 e 2005 o salário do setor público aumentou 254% em relação ao do setor privado, considerando-se empregados com a mesma escolaridade, idade, cor e sexo. Dados do Ministério do Planejamento revelam que 35% dos servidores federais recebem salário entre 2.500 e 6.500 reais. Oito por cento deles ganham 8.500 reais ou acima disso. Os candidatos a cargos públicos são seduzidos por privilégios impensáveis nas empresas privadas – a estabilidade no emprego é o mais típico deles. Entre 1999 e 2005, a oferta de vagas no setor privado cresceu mais do que no público – 31,5%, contra 16,3%. A rotatividade dos funcionários nas empresas privadas é, por definição, cada vez maior em razão das exigências conjunturais por aumento da eficiência, produtividade e dos cortes de custos. O servidor do estado raramente é demitido. A Constituição de 1988 determina que todos os funcionários públicos tenham estabilidade plena. Podem ser afastados apenas em casos graves, como insubordinação e abandono de emprego. Estima-se que menos de 1% dos funcionários públicos brasileiros perca o cargo a cada ano.
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