segunda-feira, 30 de julho de 2007

Propostas para a Previdência (I): idade mínima

Fabio Giambiagi

Começamos hoje uma série de dez artigos com propostas do que pode ser encarado como uma espécie de "decálogo previdenciário" no debate sobre a reforma da Previdência Social. Os dez pontos são: idade mínima; aumento progressivo da idade mínima; redução da diferença homens-mulheres; aumento da idade de quem se aposenta por idade; extensão do período contributivo; transformação dos benefícios rurais em assistenciais; fim da pensão integral; extinção do regime especial dos professores; indexação de todas as aposentadorias ao INPC; e aumento da idade de elegibilidade para o LOAS.
O tema de hoje é a idade mínima. Peço ao leitor que avalie exatamente o que está sendo proposto, para evitar erros de interpretação. Eu tomo todos os dias o ônibus para ir ao trabalho, no Rio de Janeiro. Ao passar por Copacabana, de manhã, constato que no calçadão há muitas pessoas de meia idade, em torno dos 55 anos, provavelmente aposentadas, com uma disposição invejável - e louvável - para usufruir a vida. Deduzo que se trata de aposentados porque a essa hora as ruas estão cheias daqueles que vão trabalhar. Faço um outro pedido ao leitor: lembre que não há nada de pessoal nos comentários. Passei os melhores anos da minha juventude em Copacabana, tenho ótimas lembranças daquela época e, se as regras não mudarem, eu serei um desses idosos, pois vou poder me aposentar aos 57 anos. O problema é que no Brasil as pessoas nessa idade têm uma expectativa de vida próxima à dos países desenvolvidos, mas se aposentam 8 ou 10 anos antes em relação às pessoas dessa faixa etária naqueles países.
Alega-se que a razão para as pessoas poderem se aposentar cedo é a dificuldade de conseguir emprego acima de certa idade. De fato, esse é um drama social. Trata-se, porém, de um problema universal. Nos Estados Unidos, também é difícil conseguir emprego aos 55 anos, mas se alguém bate às portas do Tesouro pedindo aposentadoria a essa idade, encontrará a porta fechada, assim como na Suécia, no Peru ou na Argentina. Por que o Brasil deve ser diferente? É preciso, também, reconhecer que, embora o argumento referente àqueles que não conseguem emprego se aplique a diversos indivíduos, a grande maioria dos casos de pessoas que obtém a aposentadoria por tempo de contribuição se verifica em situações em que elas estão empregadas.
A aposentadoria precoce é um direito usufruído basicamente pela classe média. A idade em que os indivíduos se aposentam no Brasil por tempo de contribuição no INSS é, na média, de 52 anos para as mulheres e 57 anos para os homens. A pergunta que cabe fazer é: será que é justo preservar intacto esse direito a aposentadorias particularmente precoces, sem levar em conta as mudanças demográficas, considerando a possibilidade de uso alternativo para os recursos que poderiam ser poupados, caso tais aposentadorias sejam adiadas alguns anos?
O que deve ser feito? A resposta é: idade mínima. Devemos estabelecer no INSS um sistema de condicionalidades cruzadas. Hoje, quem se aposenta por idade tem que respeitar certo período de contribuição, mas quem se aposenta por tempo de contribuição, não está sujeito a uma idade mínima. No futuro, quem se aposentar por tempo de contribuição deveria respeitar uma idade mínima. A proposta é que ela seja de 60 anos para os homens e 55 ou 56 anos para as mulheres. Há 5 justificativas:
1) O bom senso. É uma proposta que o presidente tem condições de defender olhando nos olhos do eleitor. Quem procurar argumentos para alegar que é um absurdo fazer com que um indivíduo só possa se aposentar com 60 anos se for homem e 55/56 se for mulher, tropeçará com um conjunto vazio.
2) O contexto mundial. É uma regra que, comparativamente à maioria dos países do mundo, ainda é benevolente.
3) O contraste com quem se aposenta por idade e que tem de ter 65 (homens) ou 60 anos (mulheres), o que torna a regra proposta bastante branda.
4) O paralelo com os servidores. A reforma de 2003 já aprovou o princípio para os servidores, foi aceita pela sociedade e julgada pelo STF. Todos irão compreender que há uma base conceitual clara para a isonomia proposta.
5) A carência. A medida passaria a vigorar 5 anos depois de aprovada, o que significa que não modificaria em nada a situação de quem estiver a poucos anos da aposentadoria.
Minha experiência pessoal indica que, quando se sugere a uma pessoa de meia idade que ela, em vez de se aposentar com 58 anos, por exemplo, terá de trabalhar até os 60, há resistências. Já quando se faz a mesma proposta a quem tem 30 anos, ninguém se importa muito. É uma distinção que o governo deveria aproveitar para poder "vender" a idéia. Quando um governo é claro e tem credibilidade, a população acredita em sua proposta.
Resta o argumento de que a medida penalizaria o trabalhador pobre que começou a trabalhar aos 15 anos, ganha salário mínimo e seria prejudicado pela proposta em relação aos privilegiados, como eu, que tiveram a sorte de poder estudar até os 22 anos sem ter que trabalhar. O argumento, porém, é incorreto. Primeiro, porque a aposentadoria por tempo de contribuição é tipicamente de classe média. E, segundo, porque aos 60 anos o trabalhador que tiver começado a trabalhar aos 15 anos irá multiplicar o seu salário médio de contribuição por um fator previdenciário de 1,17 e quem tiver começado a trabalhar aos 22 anos por um fator de apenas 0,97.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004" (Editora Campus)
Fonte: Valor

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