quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A criança, o adolescente e o trabalho

Luciano Coelho de Oliveira
Ao ler notícias e opiniões sobre o trabalho infantil, sinceramente fico num dilema terrível, justamente por causa da minha história de vida. Minha origem é de uma família de funcionários públicos que poderia classificar, na época, como “classe C”. Sempre trabalhei, pois meus pais não tinham condições de me dar dinheiro todo dia para lanchar na escola, comprar papel, linha para soltar pipa, brinquedos e outras bugigangas que menino gosta de comprar. Neste sentido, minha avó, que Deus a tenha, fazia no fundo do quintal de nossa casa uma pequena horta e todo dia eu saía para vender o que colhia na vizinhança do Novo Horizonte, bairro no qual eu morava em Goiânia.
Aos sábados fazia frete na feira, com um carrinho de rolimã que meu pai fizera. No final do dia levava para casa frutas e verduras, uns trocados e satisfação pessoal de estar sendo útil. Vendia pipas nas férias escolares, trabalhava de engraxate na avenida principal do bairro, lavava carro no hospital da Osego, em frente a minha casa, e até como vendedor de picolé, já trabalhei. Aos 16 anos ingressei no Pró-jovem, o maior programa de inclusão de menores no mercado de trabalho que o Estado de Goiás já teve. O certo é que nenhuma destas atividades que fiz me atrapalhou nos estudos ou na minha formação enquanto cidadão, pelo contrário, contribuiu significativamente no que sou hoje.
A TV Cultura está apresentando aos domingos, às 18h horas, um documentário sobre o Xingu, produzido em 1980, do renomado documentarista Washington Novaes. São dez episódios. Em 12 de agosto o tema foi a forma de vida das crianças nas aldeias indígenas do alto Xingu, onde mostra claramente que a criança é livre para brincar, trabalhar, caçar, pescar, participar de tudo dentro da aldeia. Os pais e os pajés acreditam que os pequenos índios precisam ser formados com as experiências do dia-a-dia dentro da aldeia. Não se proíbe o trabalho, é algo salutar na educação dos pequenos índios.
Assim, não consigo compreender este discurso proselitista de alguns órgãos públicos e, sobretudo de ong’s, que criança seja proibida de trabalhar. Que criança tenha somente que brincar. Concordo que explorar física e financeiramente a criança, é errado, é crime, diante de tudo isso, faço alguns questionamentos: Onde será melhor de se ficar? Num barraco de lona sem conforto, sem comida, ou num local de trabalho (engraxando, vendendo picolé, auxiliando nas feiras, etc.) onde a criança se alimenta e no final do dia, ainda leva para casa o alimento e compartilha com os demais membros de sua família? O que é melhor para a criança, ficar em casa assistindo programas de televisão vazios exibidos todos os dias, ou numa feira fazendo frete, interagindo com as pessoas e ainda ganhando alguns trocados gerados pelo seu próprio suor? O que é melhor à criança? Chegar na escola e comprar seu lanche com o seu dinheiro, conquistado com seu próprio trabalho, ou aquele dado pelo pai?
Como educador, sou consciente que o melhor lugar para criança é na escola, no seu lar com a família. Mas também acredito que no horário inverso ao da escola, a criança depois de fazer suas atividades escolares de casa, pode e deve perfeitamente trabalhar em algo que goste, não obrigado, mas por livre iniciativa, seja engraxando, seja como vendedor em alguma mercearia próxima a sua casa, na feira, ou até mesmo com os pais. A criança deve ser livre para fazer esta escolha, assim como as crianças das aldeias do alto Xingu.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe o trabalho infantil, mas o mesmo não consegue criar mecanismos para que o Estado garanta a todos os cidadãos brasileiros, sem distinção de classes, condições dignas de trabalho, educação, moradia, saúde, etc. O ECA abre espaço para programas assistencialistas como o PETI, Bolsa Família, Pioneiros Mirins, e tantos outros programas governamentais que têm o resquício do passado, “dos coronéis”, que controlavam o povo com as suas migalhas, o chamado “voto de cabresto”. Não estou aqui fazendo campanha contra o ECA, pelo contrário, já se passaram uma década de sua implantação e a política Nacional para Criança e o Adolescente continua aquém às regulamentadas pelo ECA, bem como as políticas sociais, justamente por causa do “ralo” da corrupção que predomina em todas as esferas do poder. Basta assistir aos nossos telejornais diários.
O ECA poderia até funcionar em países Europeus ou nos Estados Unidos, onde as políticas sociais são consolidadas e a corrupção amplamente combatida. Suas leis são de fato cumpridas. Acredito também que um dos fatores que leva as crianças e adolescentes ao envolvimento precoce com a marginalidade, independente de classe social, se dá por causa do ócio. É preciso debater esta forma de olhar a criança, o adolescente e o trabalho, pois o modelo atual dá sinais claros de que não está dando certo, senão teremos futuros cidadãos acostumados a receberem tudo do “Estado” e ao mesmo tempo não valorizarem, pois nunca tiveram a oportunidade digna de trabalho e, sobretudo de valorizar o ganho gerado pelo seu próprio suor.
Fonte: Jornal do Tocantins

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