quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Terrorismo sindical

RICARDO IZAR
As paralisações de agentes públicos que infernizam o país indicam a necessidade de atitudes mais duras e realistas na ação do Estado
A QUEM interessou a greve do Sindicato dos Metroviários no início deste mês, que deixou 3 milhões de trabalhadores paulistanos entregues à própria sorte? Como é que as instituições de um país, que se esforça para se afirmar no concerto das nações com um retrato explícito, ainda que um pouco borrado, de pertencer ao mundo civilizado, podem coexistir com um cenário dessa natureza? Ainda traumatizados com o dantesco acidente com o avião da TAM, os cidadãos paulistanos vêem se somar ao seu recente sofrimento emocional e humanístico um problema menor, mesquinho, quase criminoso, que é a manipulação de uma classe trabalhadora por maus dirigentes sindicais, impondo um ônus insuportável a uma população inteira.
Convenhamos que São Paulo não é uma cidade qualquer -trata-se da quarta maior aglomeração urbana do planeta e do epicentro econômico do país. Que essa baderna institucional possa ter ocorrido numa concentração populacional desse porte, sem problemas, com a impunidade dos responsáveis e até mesmo com certa complacência jurídica, isso é coisa que nos assusta.
Não é necessário nenhum esforço de imaginação para chegarmos à inequívoca conclusão de que alguma coisa está profundamente errada, seja na Lei de Greve, seja na organização sindical do país, seja em nossa legislação civil e penal, seja no Poder Judiciário, seja nos fundamentos mesmos de nossas instituições democráticas -os pilares estatuídos pela Constituição Federal de 1988.
O fato concreto é que as lideranças sindicais que conseguiram impor, ao arrepio da lei, esse infortúnio à população da cidade deveriam sair algemadas no instante seguinte ao da paralisação do metrô.
Pelo que nos consta, a questão maior envolvida seria uma eleição que se avizinha para a renovação da presidência do Sindicato dos Metroviários e, aí, vale tudo: uma cena aqui, um filme acolá, uma simulação, uma radicalização -o que importa é demonstrar força, domínio dos trabalhadores, capacidade de manipulação, e danem-se os interesses dos milhões de cidadãos afetados... Sobra-nos, ao final de tudo, o consolo de que o governo estadual, o Metrô, o Tribunal Regional do Trabalho e o Ministério Público Federal e estadual também jogaram e estão jogando pesado -olho por olho, dente por dente-, impondo elevadas sanções dissuasórias ao sindicato.
Que sanções? As financeiras, que, no frigir dos ovos, serão pagas com o dinheiro dos salários dos metroviários, as demissões de metroviários cooptados pela greve e a quebra da estabilidade no emprego dos funcionários manipulados. Veja só: quem vai acabar pagando a conta da agressão são os trabalhadores do setor. A diretoria do sindicato, por sua vez, passa ao largo dessas punições -o dinheiro não sai dos seus bolsos e, ademais, a legislação sindical brasileira nem sequer permite que sejam demitidos. Aí voltamos a indagar: que instituições são essas as nossas instituições? O governo federal, ao que consta, vem preparando um anteprojeto de lei para disciplinar o direito de greve dos servidores públicos nos três entes federados. É, sem dúvida, uma medida necessária, indispensável, pendente de definição desde os idos de 1988.
Mas o caso emblemático da cidade de São Paulo, no caos decorrente das sucessivas greves dos metroviários, e as dezenas de paralisações de agentes públicos que infernizam o ritmo da economia do país e a vida de todos os brasileiros sinalizam no sentido da necessidade de atitudes mais duras e realistas na ação do Estado. Tudo bem que o direito de greve tenha que ser preservado, mas nenhum direito é absoluto e as coisas não deveriam ser bem assim. Há greves que são criminosas e, nesses casos -bem como no caso da greve dos metroviários-, os responsáveis devem ser punidos também com o peso do Código Penal.
O Congresso Nacional certamente saberá se aproveitar do clima do envio desse necessário anteprojeto para repensar e modernizar a Lei de Greve e os dispositivos constitucionais que dão guarida à prática impune do terrorismo sindical.
*RICARDO IZAR, 69, advogado, deputado federal pelo PTB-SP, é presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
Fonte: Folha de São Paulo

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