quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Produtividade do trabalho: América Latina e Ásia

Edward Amadeo
Essa semana a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou os dados sobre a evolução da produtividade do trabalho em 125 países. A produtividade mede a produção anual média dos trabalhadores. O aumento dos salários acima do crescimento da produtividade não é sustentável - ou produz inflação ou queda dos lucros e dos investimentos. Por isso, a evolução da produtividade é a melhor indicação do crescimento da renda em um país.
É nos EUA onde os trabalhadores ostentam a maior produtividade: o trabalhador americano agrega US$ 63.885 por ano. Seguem-se os irlandeses (US$ 55.986), os luxemburgueses (US$ 55.641), os belgas (US$ 55.235) e os franceses (US$ 54.609). A produtividade do brasileiro é um quarto do americano - cerca de US$ 16.000.
Em quais países mais tem crescido a produtividade? Entre 1980 e 2005, a produtividade nos EUA cresceu em média 1,7% ao ano. Nos países ricos, o crescimento variou entre 1% (Canadá) e 2,5% (Finlândia). Entre os chamados "países emergentes", a produtividade cresceu mais rápido na Ásia e no Sudeste e Centro da Europa. Na Ásia: China (5,7% ao ano), Coréia do Sul (4,7%), Taiwan e Vietnã (4,1%), Tailândia (3,9%), Índia (3,7%), Hong Kong e Cingapura (3,5%), e Malásia (3,1%). Na Europa: Bósnia Herzegovina (7,8%), Albânia (4,5%), Polônia (4%), Eslováquia (3,5%) e Hungria (2,9%). Há exceções, em que a produtividade cresceu menos que 1%: Filipinas e Myanmar (queda de 0,01% ao ano), Sérvia e Montenegro (queda de 1,6%).
Na América Latina, as exceções são os países em que a produtividade cresceu mais que 1%: Santa Lúcia (2,8%), Chile (1,6%), República Dominicana (1,4%) e Porto Rico (1,2%). Na maioria, ficou praticamente no zero a zero: Colômbia (0,7%), Argentina (0,3%), Brasil e México (queda de 0,1%), Venezuela e Cuba (queda de 0,8%).
Desses dados deduz-se que a renda per capita dos países da Ásia e Europa do Leste e Central se aproximou da renda dos países ricos, enquanto nos países da América Latina ela se distanciou.
A renda per capita dos países da Ásia e Europa do Leste e Central aproximou-se da renda dos países ricos, enquanto na América Latina distanciou-se.
É interessante olhar esses países em bloco porque as regiões guardam similaridades geológicas, históricas, políticas e religiosas. Com o risco de generalizações indevidas, vamos comparar a Ásia e América Latina (AL). Os países latinoamericanos têm abundância de recursos naturais; os da Ásia bem menos. A América Latina foi colonizada pelos portugueses e espanhóis; a Ásia pelos ingleses. A independência das colônias na América Latina aconteceu no século XIX; na Ásia no século XX. A América Latina tem alguma tradição democrática; a Ásia, autocrática. A América é católica; a Ásia, budista e muçulmana.
De uma forma ou de outra, essas raízes afetam as relações econômicas e a condução das políticas públicas nas duas regiões. As relações trabalhistas na América Latina são muito regulamentadas, na Ásia não. Na América Latina há enorme descaso com a educação; na Ásia, ao contrário, é uma prioridade. Na América Latina, os governos têm políticas sociais compensatórias; na Ásia, não. Na América, a crise fiscal impediu os governos de investir em infra-estrutura; na Ásia, os governos têm as contas em dia e investem em infra-estrutura. Na América Latina as economias são tradicionalmente fechadas ao comércio internacional; na Ásia são muito abertas. Na América Latina, a lei e o direito à propriedade são escassamente respeitados; na Ásia o respeito é grande.
Mas o que essas coisas têm a ver com a produtividade do trabalho? Comecemos de trás para frente. Onde a lei e o direito de propriedade são respeitados, existe segurança jurídica e confiança entre as partes. Assim, a incerteza e os riscos inerentes aos negócios e investimentos são menores. Onde há investimento, há inovações que contribuem para o crescimento da produtividade.
Em economias abertas ao comércio exterior, a competição faz com que as empresas se forcem a aumentar a produtividade como forma de sobreviver. Além disso, as empresas de setores com vantagens competitivas (que não se devem apenas ao acesso a recursos naturais, mas podem ser erigidas ao longo do tempo) têm melhores condições de sobreviver, o que dá origem à especialização e a economias de escala, fatores importantes para aumentar a produtividade. Tradicionalmente, os governos provêem infra-estrutura. Para isso, precisam manter uma folga entre receitas tributárias e gastos correntes e transferências (aposentadorias, seguros, abonos e transferências de modo geral) - essa folga é chamada de poupança do governo. Se os governos investem em infra-estrutura ajudam a viabilizar empreendimentos privados e, assim, aumentar a produtividade.
Onde os governos provêm sistemas de proteção dos trabalhadores e sistemas de previdência social com alta taxa de reposição (relação entre aposentadorias e salários da ativa), a taxa de poupança dos indivíduos é baixa, deixando pouco espaço para o crescimento do investimento. Onde a taxa de poupança é baixa, tudo o mais constante, a taxa de investimento também é mais baixa, o que reduz o crescimento da produtividade.
A educação oferece aos trabalhadores a capacidade de apreender tarefas novas e mais complexas, assim como informações e as novas técnicas. Essa capacidade aumenta a produtividade.
Por último, relações trabalhistas com pequena interferência das leis e das cortes - que impõem pisos salariais, custos à demissão e regras inadequadas à especificidade das empresas - permitem às empresas empregar trabalhadores de forma flexível e otimizar seus lucros, que é a principal fonte de financiamento dos investimentos.
América Latina e Ásia, Brasil e Coréia, Peru e Taiwan, Uruguai e Cingapura estão em pólos opostos nesses seis itens. Talvez por isso, as trajetórias da produtividade do trabalho sejam tão diferentes.
*Edward Amadeo é sócio da Gávea Investimentos.
Fonte: Valor

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