terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Flexibilidade nas regras trabalhistas

Um dos maiores obstáculos para a reforma trabalhista no Brasil é a radicalização do tema. Há os que desejam flexibilizar tudo e os que não querem mudar nada. Para muitos dirigentes sindicais, flexibilizar significa a revogação total dos direitos e das conquistas sociais dos trabalhadores. Já alguns empresários entendem o conceito como a total desregulamentação do trabalho. São visões equivocadas e falsas. O trabalho precisa ser regulamentado, restando saber como fazê-lo.
A regulamentação do trabalho exige leis e contratos. Nos países avançados, a maioria dos direitos é assegurada em contratos negociados; entre nós, quase tudo é regulado por lei. A CLT tem 922 artigos, sem contar os inúmeros dispositivos da Constituição federal nessa área. No conjunto, esses expedientes desestimulam a negociação: só o salário e a participação nos lucros podem ser livremente negociados. Os demais direitos são "tabelados" por lei, o que dificulta o ajuste das empresas e instiga a informalidade.
É fato que o dilema entre mudar tudo e não mudar nada se reproduz em outros países. Mas nações mais avançadas, em especial da Europa, enxergaram saídas. Por meio de negociações bipartites, representantes de empregados e empregadores definem um tipo de flexibilização combinado com segurança mínima para os trabalhadores. É a chamada flexi-segurança (flexi security).

A flexibilidade é condição indispensável para as empresas se adaptarem às mudanças rápidas da economia globalizada e manterem a competitividade e os empregos. A segurança, por sua vez, é componente indispensável de proteção aos trabalhadores contra os solavancos da economia.
Em 12 de janeiro de 2008, representantes de empregados e empregadores da França, até então resistentes a mudanças, firmaram acordo preliminar de flexi-segurança. Foram quatro meses de negociações que resultaram no "flexisécurité à la française". O MEDEF (Mouvement des Entreprises de France) negociou pelos empresários; do lado dos trabalhadores, as centrais sindicais.
O acordo deu grandes passos no sentido de tornar as empresas mais flexíveis para contratar. Ao mesmo tempo, garantiu direitos básicos para os trabalhadores nas dificuldades. Para os empresários, ampliaram-se as possibilidades de contratação por prazo determinado e de fazer ajustes na jornada de 35 horas. Aos trabalhadores foi garantido o acesso à formação profissional e à proteção da saúde e previdência na hora do desligamento. A utilização dos contratos por prazo determinado se faz respeitando-se requisitos objetivos. O desligamento não pode ser contestado, porque, além de indenizações, os trabalhadores passam a usufruir os benefícios indicados.
O acordo abre espaço para flexibilizar, mas garante proteção aos que temporariamente "sobrarem" dessa flexibilização. Prevê ainda estímulos para a entrada dos jovens no mercado de trabalho. Os estágios terão o propósito de preparar esse trabalhador e, depois, integrá-lo em contratos especiais, além de outras garantias. O período de experiência será ampliado e o prazo, diferenciado, de acordo com a natureza das profissões.
Há outros expedientes para amparar o trabalhador durante a suspensão ou ruptura do contrato de trabalho e garantir a portabilidade de certos direitos. Acima de tudo, há a prevalência da negociação para resolver impasses. A flexi-segurança é usada na Europa há mais de dez anos, e cada país estabeleceu critérios próprios, respeitando condições econômicas e culturais.
Nossa realidade é outra. A reforma trabalhista no Brasil está parada. Perdemos um tempo de ouro. E, no entanto, estão dadas as condições ideais para realizá-la. O emprego cresce a cada dia; o poder de barganha dos trabalhadores aumenta; a maioria das categorias vem obtendo aumentos salariais iguais ou superiores à inflação. A economia promete continuar crescendo em 2008. As empresas se internacionalizam. A concorrência aumenta, tanto interna quanto externa. A utilização de novas formas de trabalhar é uma imposição das tecnologias e dos métodos de produção.
O cenário favorável permite aos agentes sociais tentarem, em negociação bipartite, uma reforma dentro dos princípios da flexi-segurança. Isso feito, a tarefa do Congresso Nacional será simplificada, e o Brasil terá um quadro legal mais moderno para enfrentar os desafios mundiais.
O Globo

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