quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Emprego exclusivo

No país, sobram milhares de vagas para uma categoria especial de trabalhadores, pessoas portadoras de deficiência
A inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho constituiu-se durante anos e décadas, talvez séculos, em um grande desafio para a sociedade brasileira. Nos últimos anos, sobretudo nas duas últimas décadas, esse cenário começou a mudar, impulsionado por dois fatores decisivos: de um lado, a crescente preocupação das empresas em adotar políticas de responsabilidade social que incluem, de forma espontânea, a reserva de um percentual dos empregos que geram para pessoas com deficiência; de outro, a Lei 8.213, de 1991 – a chamada “Lei de Cotas” – que instituiu a obrigatoriedade da contratação de trabalhadores com deficiência em percentuais que variam segundo o porte das empresas (2%, para empresas que têm entre 101 a 200 empregados, 3% para as de 201 a 500 empregados, 4% para as de 501 e 1 mil trabalhadores, e de 5% para as com acima disso).
A força desses instrumentos de inclusão social é tanta que acabaram por gerar uma situação inusitada e que exige reflexão. Em um mercado de trabalho como o brasileiro, acostumado a conviver com altas taxas de desemprego – o país fechou 2007 com 1,7 milhão de desempregados –, há, hoje, uma surpreendente exceção: sobram vagas, milhares delas, para uma categoria especial de trabalhadores, os com deficiência. Por mais que as empresas se empenhem – em nome dos valores que regem a prática da responsabilidade social empresarial e, também, para cumprir os dispositivos da Lei 8.213 –, não conseguem encontrar trabalhadores para preencher as vagas de emprego destinadas a eles. E não encontram simplesmente porque eles não estão disponíveis no mercado.
Trabalhamos com a convicção de que a prática da responsabilidade social empresarial é hoje um processo irreversível e crescente, uma vez que as empresas brasileiras compreendem cada vez mais a sua missão de agentes de transformação e inclusão social. Igualmente, entendemos que a legislação de proteção aos trabalhadores com deficiência é absolutamente necessária e deve ser preservada. No entanto, para que efetivamente produza os resultados a que se propõe, deve ser revista para se adequar à realidade do mercado de trabalho.
Ao estabelecer os percentuais de vagas a serem reservadas aos trabalhadores com deficiência, o legislador considerou a existência de um contingente de aproximadamente 10% da população brasileira, com base em estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), respaldados pelo censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, que dimensionou em 24,6 milhões o número de pessoas com essas características. A magnitude deste número – 14,48% da população brasileira – pressupunha que as empresas não teriam dificuldades em encontrar e contratar esses trabalhadores de acordo com as cotas estabelecidas. Porém, ao considerar as pessoas com deficiência em idade ativa para o trabalho, entre 15 e 59 anos, esse número cai para 15 milhões de pessoas – redução de aproximadamente 40%. Indo além e considerando-se apenas aqueles que preenchem os critérios estabelecidos pela Lei 8.213, o número cai, drasticamente, para 3,2 milhões, o que significa 1,47% da população, de acordo com estudos da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
Deste percentual, já reduzido, uma grande parcela não se interessa em ingressar no mercado de trabalho, optando pelos programas sociais governamentais, entre eles o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que lhes assegura renda mensal de um salário mínimo, e também pelas aposentadorias por invalidez, concedidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Quando decidem pelo mercado de trabalho, em vez da iniciativa privada, manifestam clara preferência pelos concursos públicos, que lhes asseguram cotas que variam de 5% a 20%, normalmente preenchidas pelos mais qualificados. No setor industrial, onde o avanço tecnológico acelerado exige trabalhadores cada vez mais preparados, a dificuldade em empregar pessoas com deficiência é ainda maior, pois, em função de seu grau de qualificação, eles são absorvidos preferencialmente pelo comércio e pelo setor de serviços. Na indústria em geral, outro fator de limitação é a questão da segurança pessoal dos trabalhadores, que desaconselha a contratação de determinados tipos de trabalhadores com deficiência.
Diante da importância do tema, o IEL fez exaustivo estudo que, desde já, colocamos à disposição das autoridades. Elaborado com o objetivo de contribuir para o aprimoramento da Lei 8.213 e dos demais instrumentos legais que a regulamentam, o estudo Fiemg/IEL explicita a necessidade de adequações na legislação e apresenta propostas, entre as quais se destacam as seguintes: revisão dos percentuais de cotas estabelecidos pela legislação; alteração do conceito de pessoas com deficiência, de forma a ampliar o número de trabalhadores potenciais; inclusão do aprendiz com deficiência na cota legal, assegurando-se a preferência de contratação daqueles que se destacarem; estabelecer critérios de regionalização para facilitar a contratação nas proximidades das empresas; mapear as áreas de risco nas quais a contratação de pessoas com deficiência não é recomendada, utilizando-se metodologia do próprio Ministério do Trabalho; manter os dispositivos incluídos em projeto atualmente em tramitação no Congresso Nacional, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), especialmente nos aspectos ligados à terceirização, programas de profissionalização e contratação das chamadas oficinas protegidas. Ao submeter estas propostas à ampla discussão da sociedade, nosso objetivo é o de contribuir para que, aperfeiçoada, a Lei 8.213 cumpra o objetivo de garantir a efetiva inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, segundo critérios pautados na realidade e na exeqüibilidade.
Estado de Minas

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