terça-feira, 25 de março de 2008

O salário mínimo será sempre insuficiente

Carlso Alberto Ramos
Professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília

Anualmente, na ocasião na publicação do novo valor do salário mínimo, uma recorrente discussão aflora: o patamar estabelecido é suficiente para outorgar um bem-estar material digno a uma família padrão? A resposta é, em todas as ocasiões, negativa, independentemente da cesta de bens que seja relacionada como parâmetro para estabelecer esse denominado bem-estar material mínimo.

Nessa perspectiva, quase explicitamente, o salário mínimo é assumido como um poderoso instrumento capaz de reduzir o grau de concentração de renda e diminuir os índices de pobreza. Diferentemente da maioria dos países, e aí se pode identificar uma singularidade do Brasil, os meandros que relacionam o valor do salário mínimo com os índices de pobreza e distribuição não estão restritos ao mercado de trabalho senão que incluem os benefícios previdenciários e outros pagamentos da seguridade social – os benefícios de prestação continuada, como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Dessa forma, quando se avaliam os custos e benefícios de aumentos do salário mínimo em termos dos impactos sobre a distribuição de renda e diminuição da pobreza, os parâmetros de avaliação devem incluir os indicadores de emprego e rendimentos, mas também as transferências de caráter social. Nesse sentido, tanto os corolários sobre o mercado de trabalho como os impactos sobre o déficit público são as dimensões incontornáveis nas tentativas de avaliação.

Em termos de evolução do poder de compra do salário mínimo, a variação que apresentou o mesmo desde meados dos anos 90 adquiriram valores realmente surpreendentes para qualquer economia. Em 1995, por exemplo, o aumento real (poder de compra) foi de 21,8%, com sensíveis e imediatos impactos sobre os níveis de pobreza. Entre 1997 e 2008 (ou seja, considerando o último aumento), a elevação além da inflação foi de 71,4%. Dificilmente se possa imaginar um cenário mais favorável. Percentuais da ordem de 21,8%, como em 1995, ou de 11,3%, como em 2001 ou de 13%, como em 2006, não podem ser sustentáveis por longos períodos pelos impactos nas despesas públicas ou custos em termos de formalização da força de trabalho. Elevações relativas bem mais modestas, como em 2007 (+5,41%) ou em 2008 (em torno de 4%), acompanham os patamares atingidos pelo crescimento da economia e possibilitam que os ganhos do atual dinamismo sejam compartilhados pelos segmentos mais frágeis do mercado de trabalho ou pelos indivíduos e famílias alvo de políticas sociais (inclusive a previdência).

O atual cenário macroeconômico, tanto pelas políticas internas adotadas desde meados dos anos 90 e, sobretudo, pelo excelente cenário internacional, estão possibilitando um aumento do emprego (especialmente do emprego formal), uma redução da pobreza e uma modesta, mas perceptível e continua, redução nos índices de concentração. O incremento do emprego formal (assalariados com carteira de trabalho assinada) que, hoje, supera o patamar de 5,5% ao ano, diante de um aumento do PIB de um percentual similar, tem impactos sobre a queda na indigência e pobreza que não podem ser qualificados como negligenciáveis. Imaginar variações do salário mínimo semelhantes às ocorridas nos anos de 1995, 2001 ou 2006 pode chegar a comprometer a geração de empregos formais que, no passado recente, se tem mostrado como particularmente fértil em termos de aumentos da renda para os grupos sociais historicamente marginalizados do processo de desenvolvimento.

Logicamente, a contradição entre o grau de desenvolvimento atingido pelo Brasil e os índices de pobreza e concentração observados induz uma natural revolta. Mas essa indignação não pode se transformar em demandas que podem chegar a comprometer os ganhos na área social dos últimos 15 anos, por mais modestos que eles sejam. O desafio, contrariamente, consiste em identificar um leque de variáveis e políticas que podem acelerar e consolidar os avanços que vêm sendo conseguidos. O salário mínimo não pode ser assumido como sendo a exclusiva variável de política que pode alterar os patamares de pobreza e concentração. Os parcimoniosos aumentos dos últimos dois anos tendem a socializar o dinamismo macroeconômico sem comprometer a sustentabilidade do crescimento e, lembremos, sem crescimento, dificilmente vamos a avançar nos indicadores sociais. Se quisermos acelerar a redução da polarização social, talvez tenhamos que pensar em alterações institucionais que possibilitem aprofundar a formalização da força de trabalho, imaginar desenhos de política capazes de reverter o núcleo duro da pobreza que, até hoje e não obstante as políticas como Bolsa Família, não são sensíveis ao crescimento macroeconômico. E, em termos de imaginário popular, possivelmente teremos que parar de supor que todo e qualquer avanço social pode ser atingido mediante aumentos no salário mínimo.

Secom UnB

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