terça-feira, 22 de julho de 2008

Opinião - O custo das doenças do trabalho

O quadro de hoje é melhor do que o de anos atrás. Já existe, no Brasil, uma certa consciência de prevenção.

Mas falta muito. Mais de 300 mil pessoas adoecem, acidentam-se ou morrem todos os anos por causa do trabalho.

Estes são os casos notificados. O número dos não notificados é muito maior, podendo chegar à casa de 1 milhão.

As perdas decorrentes de acidentes e doenças profissionais são colossais. A mais importante não pode ser quantificada, pois diz respeito à saúde e à vida dos trabalhadores.

Os estudos que levam em conta as perdas materiais das empresas, das famílias e do Estado chegam a cifras assustadoras. Com dados de 2004, estimei que, para a sociedade em geral, os acidentes e as doenças profissionais custam quase R$ 25 bilhões por ano! (José Pastore, Trabalhar custa caro, São Paulo, Editora LTR, 2007). Há estimativas mais altas, do próprio Ministério da Previdência.

As campanhas de prevenção de acidentes dão resultado, sem dúvida. Mas o que mais funciona é a premiação da empresa que tem pouco e a penalização da empresa que tem muito acidente e doença profissional.

O Brasil pretende ingressar nessa sistemática em 2009. Para tanto, criou-se o chamado Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Trata-se de um número determinado estatisticamente para cada empresa, a ser multiplicado pelo porcentual (1%, 2% ou 3%) de contribuição previdenciária devida que, por sua vez, é definido segundo o grau de risco estimado para cada atividade econômica.

A contribuição de cada empresa para 2009 será recalculada em razão das notificações apresentadas no período de maio de 2004 a dezembro de 2006. Hoje esse risco (por setor de atividade) varia entre 1% e 3%. Ao levar em conta o risco de cada empresa específica, as alíquotas passarão a variar entre 0,5% e 6%. O prêmio do seguro de acidentes do trabalho seguirá essas proporções.

O princípio é válido e a intenção é boa e justa. Mas o governo considerou para o cálculo desse fator todo o tipo de doença, relacionada ou não ao ambiente de trabalho.

Para quantificar o ônus previdenciário das empresas, criou-se o chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que é uma nova forma para se caracterizar a relação das doenças com o trabalho, também em bases estritamente estatísticas. Com isso, um grande número de doenças comuns foi considerado como do trabalho.

O resultado dessa reclassificação foi um colossal aumento de notificações de doenças do trabalho. De maio de 2006 a março de 2007, as doenças infecciosas e parasitárias - agora consideradas como doenças do trabalho - aumentaram 3.700%! A notificação de tumores aumentou 2.012% e as doenças circulatórias elevaram-se 1.406%.

Não se pode dizer que a situação piorou. Trata-se de resultados de um artefato estatístico e de um mandamento legal. A maior parte das doenças que eram classificadas como comuns passou a ser classificada como doenças do trabalho.

Isso se tornou uma fonte de despesas adicionais ao já elevado Custo Brasil. Por exemplo, as empresas são obrigadas a recolher o FGTS todos os meses para o trabalhador que se afasta por doença do trabalho. Há outras despesas.

Para a Previdência Social, também houve aumento de despesas porque, com base nos novos conceitos de doença do trabalho, mais trabalhadores entraram em licença para tratamento de saúde paga pelo INSS.

Do lado empresarial, a nova sistemática está formando enormes passivos trabalhistas, o que, no futuro, afetará a sua capacidade de investir e de gerar empregos.

A razão é clara. Muitas doenças adquiridas fora do ambiente de trabalho terão de ser notificadas como de origem trabalhista. É o caso do trabalhador que tem a sua audição avariada pelo excesso de ruído da banda de metaleiros onde toca todas as noites, e que terá a sua doença notificada como causada pela alfaiataria onde trabalha...

Problemas desse tipo já estão acontecendo e o assunto já foi parar no Supremo Tribunal Federal. Evidentemente, há que se forçar a prevenção de doenças do trabalho. Mas isso não pode ser feito com base em artificialismos conceituais ou estatísticos. Há que se rever essa lei.

*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo (USP). Site: www.josepastore.com.br

Estado de S.Paulo

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