quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Governo vê trabalho 'penoso' na cana

Para ministros, existem avanços, mas há muito a ser feito na melhoria das condições dos trabalhadores

Centrais pedem medidas para melhorar as condições dos cortadores, sob pena de o país se tornar "vulnerável" em fóruns internacionais


Embora reconheça como "penosa" e "extenuante" a atividade do corte da cana-de-açúcar, o governo considera que houve avanço nas condições de trabalho dos canavieiros. A opinião foi manifestada por três ministros e um secretário do Ministério da Agricultura. Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) afirma que é preciso "humanizar" a rotina dos cortadores.

Carlos Lupi (Trabalho) defende um "pacto social na área do etanol". Para Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), a situação dos trabalhadores em alguns casos pode tornar o país "vulnerável" em fóruns do comércio internacional.Dulci é o coordenador da Mesa de Diálogo para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, iniciativa que reúne o Executivo, empresários e trabalhadores.

Ele diz que os três segmentos concordam "que é necessário e possível aperfeiçoar e humanizar as condições de trabalho". A despeito de progressos, "há muito a ser feito na melhoria das condições desse trabalho, naturalmente penoso e desgastante se comparado a outros".

Lupi dá a medida do que aponta como evolução: "Há 20 anos, havia senhor feudal [na produção de cana]". Procurado anteontem por CUT e Força Sindical, Lupi aceitou marcar reunião sobre o tema. "Queremos medidas que acabem com essa vergonha", disse o presidente da Força, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).

No domingo, a Folha publicou reportagem sobre a vida dos cortadores de cana, em particular no interior paulista.Em comparação com 1985, ano da greve de maior envergadura de canavieiros em Guariba (SP), hoje os lavradores do Estado cortam mais cana (9,3 toneladas por dia, contra 5,0), mas ganham menos.

Em 2007, um cortador de cana recebeu a média diária de R$ 28,90. Há 23 anos, o valor era de R$ 32,70 (queda de 11,6%), como destacou estudo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C. R. de Oliveira (USP). Os valores foram atualizados.

De 2003 a 2007, os fiscais do Trabalho promoveram 3.973 autuações por alegadas irregularidades no setor sucroalcooleiro de São Paulo e 17.655 no Brasil. Em muitos casos, as empresas recorreram.

Uma das opções para os cortadores que deixam a cana são outras culturas, diz Manoel Bertone, secretário nacional de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura.

"Todos nós reconhecemos que o trabalho do corte manual da cana queimada é realmente extenuante, muito difícil de ser feito", afirma Bertone.

O ministro Paulo Vannuchi sustenta que "o tema dos direitos humanos aí não é simplesmente ter respeito pelo ser humano, o que já deveria ser motivo mais do que suficiente para os grandes empresários brasileiros e paulistas não permitirem a repetição desse tipo de estado de coisas que a reportagem da Folha descreveu".

Vannuchi teme que o Brasil possa ser prejudicado em organismos do comércio internacional devido às condições de trabalho na roça da cana.

Ele não se refere apenas aos episódios com denúncia ou mesmo condenação por trabalho análogo à escravidão: "Também o trabalho que não é escravo, mas degradante, desumano, sujeita o Brasil a um desgaste internacional muito preocupante".

O esforço do trabalho em São Paulo já produziu casos como o do lavrador Valdecir da Silva Reis, 35. Em 2006, ele cortou 52 toneladas de cana em um dia. Hoje, doente, não consegue mais trabalhar.


Para usineiros, problemas são isolados

A União da Indústria da Cana-de-Açúcar afirma que os problemas trabalhistas são isolados e não representam a realidade do setor."São casos pontuais", diz a entidade, que congrega 117 usinas de etanol e açúcar.

"A Unica há muito tempo não perde tempo para dizer que não existe problema no setor. Um setor que atinge a escala que este atingiu vai ter problemas, a serem enfrentados o tempo todo, continuamente. Não há nenhum setor desse tamanho em que não se encontrem problemas. Só que as pessoas não procuram os problemas nos outros setores, porque eles não estão no holofote."

Para a Unica (pronuncia-se "única"), "as exceções são transformadas em regra. Não se dá nenhum crédito aos avanços no setor".Mais: "Só se procuram as exceções, transformadas em reportagem. Isso [os problemas do trabalho] não é amplo, não é generalizado. Há vários avanços de postura.

A Unica não aceita que se coloquem questões pontuais e isoladas como regra do setor. Elas não são a regra".

A Unica se pronunciou sobre o temor do ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de que o Brasil seja acionado em organismos internacionais devido às condições de trabalho nos canaviais: "Isso já ocorre periodicamente. Esse problema nasce no próprio Brasil. É no Brasil que se levantam essas questões dessa forma, fora de contexto".

Folha de S.Paulo

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