sábado, 19 de maio de 2007

A Lei e a terceirização

A legislação brasileira não condena a prestação de serviços através de terceiros, mas tem exigências trabalhistas.

A primeira manifestação legislativa, sobre terceirização, operou-se com a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe acerca do trabalho temporário nas empresas urbanas. Antes, porém, tivéramos o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que fixou diretrizes para a Reforma Administrativa, cujo Capítulo III, do Título II, relativo aos Princípios Fundamentais, tratou da descentralização.

Prescreve o art. 10 do citado Decreto-lei que “A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada” e, no § 7º, que “Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”.

Com o advento da Lei 6.019/1974 fez-se possível a substituição de pessoal permanente por trabalhadores temporários, contratados e fornecidos por empresas especializadas nesse mister. Novo estímulo à terceirização foi proporcionado pela Lei nº 7.102/1983, que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros, e impõe normas para a constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores. Com idêntico intuito, a Lei nº 9.472/1997, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações, cujo art. 94, II, permite à Agência “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”.

Tivemos, ainda, no ano de 1997, o Decreto nº 2.271, que “Dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”, baixado com suporte no Decreto-Lei nº 200, e o Decreto nº 3.865/2001, que “Estabelece requisitos para contratação de serviços de certificação digital pelos órgãos públicos federais e dá outras providências”.

Cito, finalmente, a Resolução nº 2.707/2000, do Banco Central, baixada segundo as normas do Decreto nº 83.740/1979, que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização, e faculta aos “bancos múltiplos com carteira comercial, aos bancos comerciais e à Caixa Econômica Federal, a contratação de empresas para o desempenho das funções de correspondente no País”, relacionando os serviços em que se admite a terceirização. O art. 1º, § 1º, autoriza que sejam terceirizadas as atividades de recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança, recebimento e pagamentos relativos a contas de depósito à vista, análise de crédito e cadastro, entre outras.Em nosso sistema financeiro são freqüentes terceirizações bem-sucedidas. Bons exemplos dão a Caixa Econômica Federal, que recebe jogos e apostas pelas lotéricas, e o Banco Postal, fruto de parceria entre o Bradesco e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, para permitir a movimentação de contas bancárias nas localidades menores e mais remotas do interior do Brasil .

A ausência de lei de caráter geral tem sido, porém, determinante na ampliação dos conflitos que envolvem o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e empresas prestadoras e tomadoras de serviços. Para uniformizar a jurisprudência sobre a matéria, o Tribunal Superior do Trabalho recorreu à edição de enunciados. O primeiro, de nº 256, considerava ilegal toda contratação de trabalhadores por empresa interposta, “formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços”, exceto nos casos previstos nas leis de número 6.019 e 7.102.Quando exigiu a realização de concurso para admissão em emprego público, a Constituição de 1988 tornou indispensável que o TST imprimisse alguma flexibilidade a sua maneira de encarar a terceirização. Adotou o Enunciado 331, que permite a contratação de terceiros, para serviços especializados ligados à “atividade-meio”, desde que não haja pessoalidade e subordinação direta.

Ora, a legislação trabalhista desconhece diferenças entre atividades. De acordo com o art. 2º da CLT, inexistem distinções entre empregadores e empresas, individuais ou coletivas, assim considerados todos aqueles que, assumindo os riscos da atividade econômica, admitem, assalariam e dirigem a prestação pessoal de serviços. O Código Civil distingue as pessoas jurídicas de direito público interno e externo, das pessoas jurídicas de direito privado. As pessoas jurídicas de direito privado foram divididas em associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos, segundo as respectivas finalidades. A distinção entre associações e sociedades reside no fato de as primeiras serem constituídas “pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”, ao passo que as segundas resultam de contratos entre pessoas que “reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

Não se cogitou de sociedades formadas com vistas à atividade-meio, eis que todas perseguem uma única meta, que é o ganho, ou lucro. Os caminhos dos quais se servem variam, mas o objetivo, qualquer que seja a espécie de empreendimento, nunca será outro, sob pena de desaparecimento ou falência.A legislação brasileira não condena a prestação de serviços através de terceiros. É indispensável, todavia, que a empresa terceirizadora seja zelosa no cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias, e relativas ao Fundo de Garantia.
A prestadora de serviços que deixar de observar as exigências legais, sobretudo no que diz respeito aos seus empregados, contribui, decisivamente, para que os adversários da terceirização adquiram forças, prejudica os empregados e arrasta em seus infortúnios, como devedoras subsidiárias, as empresas que contratam a prestação de serviços de terceiros.

Almir Pazzianotto Pinto

Publicado no DCI - Diário Comércio, Indústria e Serviço - 19 de maio de 2007

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