sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Pobres crianças pobres do Brasil

Fausto Wolff
Certas besteiras, quando ditas com freqüência, acabam por se tornar falsos axiomas. Um deles é o de que não adianta botar a culpa no governo e não fazer nada. Aos que pensam assim, quero lembrar que, se 80% da população pobre saírem para protestar (depois de trabalhar oito horas, gastar mais duas horas para ir ao trabalho e pagar impostos sem receber nada em troca), logo logo estarão todos desempregados. E protestar onde? Protestar para quem? Assinar onde? Falar com quem?
Os pobres não sabem dos seus direitos. Sabem apenas dos seus deveres, aprendidos à custa de muita humilhação. A classe média poderia e está fazendo isso, mas fazendo para o seu bico, para não virar povo também. Quem tem de criticar são os meios de comunicação, os sindicatos (se é que existem), a Justiça e essas malditas Ongs, que parecem só funcionar para lucro dos ongueiros, que vêm do mundo inteiro a fim de tirar uma casquinha da burrice verdelinda.
Câmara e Senado raramente fazem algum bem para quem lhes paga salário e mordomias. Quando o fazem, acredito que o bem ficará só no papel, logo destruído pelas traças da burocracia e do tempo. No último dia 15, a Comissão de Trabalho da Câmara aprovou por unanimidade um projeto do deputado Roberto Santiago que obriga proprietários com mais de 70 trabalhadores, urbanos ou rurais, a dar assistência gratuita a seus filhos e dependentes, do nascimento aos 5 anos. É uma vergonha que ainda não existisse um projeto como este no Brasil, onde mães e pais, para ganharem uma miséria, têm de deixar filhos ao abandono ou com uma vizinha que tem seus próprios filhos para criar.
Existem mais de 3 milhões de crianças abandonadas com menos de 5 anos. Luiz Silva sabe disso, pois esses dados são da sua Secretaria de Planejamento. Abandonados, os meninos fogem ao controle dos pais e logo estarão no crime. E logo estarão mortos. Gosto muito do projeto e ficarei de olho nele, se chegar ao Senado. Não acredito que vingue, pois não são poucos os deputados e senadores que têm firmas com mais de 70 funcionários.
Esse pessoal nem assina a carteira de trabalho dos pais, imagine desembolsar dinheiro para os filhos. Se a lei pegar, mulheres começarão a ser despedidas. E se já tiverem filhos, convencidas a cruzar as trompas em operação paga pela casa. Epa, parem tudo enquanto procuro a velha musa. Tem boi na linha. Acabo de descobrir que, segundo o projeto, o empregador poderá deduzir do imposto de renda pessoa jurídica até R$ 1.400 anuais. O patrão é capaz de reverter o negócio a seu favor. 70 x R$ 1.400 = R$ 98.000.
Caso não considere um bom negócio, o patrão sempre pode despedir um empregado, ficar apenas com o popular 69 e mandar a lei incomodar outro. Outro detalhe: e quando os guris e as gurias fizerem 6 anos? Onde ficarão? Ou a nossa Secretaria de Planejamento acha que crianças de 6 anos já têm consciência social para saber dos seus deveres e direitos e estão prontos para enfrentar a famosa Funabem, um dos presídios de mais alta periculosidade do país?
Se a coisa funcionar, muito bem. Serei o primeiro a aplaudir. Mas não creio que seja função do governo federal lidar com creches. Essa tarefa deve ser deixada aos prefeitos, Secretarias municipais e de Planejamento de todas as pequenas e grandes cidades. Gosto muito do Luiz Henrique Silveira, que já foi prefeito de Joinville e até presidente do PMDB. Mas houve uma época aí em que ele começou a achar que os fins justificavam os meios e nossos caminhos se separaram.
De qualquer forma, na época em que era prefeito, convidou a mim e ao Jaguar para dar umas palestras sobre o Pasquim e ver o que ele havia feito na cidade. Ora, ele fez uma coisa sensacional no que diz respeito a creches. Comprou e alugou casas simples de madeira, mas com muitos quartos, cozinha e banheiro, nos bairros operários. Depois disso, colocou casais de jovens educadores e psicólogos que, além do salário, recebiam casa e comida de graça para cuidar de um máximo de seis crianças.
Achei bonito, pois as crianças permaneceriam no mesmo bairro, com uma garotada que já conheciam. Não estariam numa creche num prédio oficial, mas numa casa parecida com as suas. Lembro que escrevi artigos entusiasmadíssimos, pois, como criança grande que sou, tudo que diz respeito a crianças é da minha conta.
O Brasil tem um dos piores ensinos elementares do mundo, o que inclui creches improvisadas. Em vez de investir no futuro da maioria das crianças, nossos políticos investem nos próprios filhos e netos, tornando a oligarquia nepotista brasileira uma das mais vergonhosas do mundo. Às vezes sou acometido de pensamentos religiosos. Desde que comecei este artigo não me sai da cabeça a seguinte frase: "Ai de quem ferir um desses pequeninos. Melhor seria se lhe pendurassem uma grande pedra de moinho ao pescoço e fosse afogado nas profundezas do mar". Mateus, 18-16.
Fonte: Jornal do Brasil

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