quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O fim de uma era

Almir Pazzianotto Pinto
A aprovação de norma legislativa que tornará opcional o pagamento da Contribuição Sindical, além de prenunciar o encerramento da Era Vargas, trará enorme alívio às classes trabalhadoras. O Imposto Sindical foi instituído em 1939, regulamentado em 1940, transplantado para a CLT em 1943 e reciclado pelo regime militar em 1976 com o nome de Contribuição Sindical.
Tudo, nessa taxa involuntária e coercitiva, traz a cor, o odor e o sabor do corporativismo-fascista, extraído pelo nosso direito coletivo do trabalho da Carta del Lavoro da Itália de Mussolini, que as Constituições de 1946 e 1988 não conseguiram apagar de modo completo e definitivo. Antiga é a batalha contra o Imposto Sindical.
A rigor começou logo após a promulgação da Constituição liberal-democrática de 1946. No célebre livro O problema do sindicato único no Brasil, editado em 1952, Evaristo de Moraes Filho defendeu a extinção por considerá-lo incompatível com o regime democrático. Sustentava Evaristo que “diante de uma Constituição e de um regime democrático, parece-nos verdadeiramente exorbitante a cobrança compulsória de uma taxa, com a qual não se beneficiam diretamente os contribuintes”.
O desgastado peleguismo sindical tenta impedir que os assalariados – operários, comerciários, bancários, motoristas, jornalistas, aeronautas, aeroviários, garçons, portuários, marítimos, rurais – recuperem a prerrogativa, perdida em 1940, de declarar se estão dispostos, ou não, a suportar os custos de milhares de entidades artificiais e de dirigentes vitalícios à frente de sindicatos, federações e confederações.
Aos sindicalistas profissionais causa pânico serem postos à prova em testes objetivos de liderança e confiabilidade, habituados que estão a permanecer à sombra do governo, à inexistência de oposições, às eleições manipuladas e ao dinheiro obrigatório, ininterrupto e fácil. Sustentam, com argumentos farisaicos, que o projeto provocará a ruína da estrutura sindical porque certa parcela das entidades não se preparou para sofrer a perda da Contribuição obrigatória. Faltou, porém, esclarecer que o número de associados, pagantes de mensalidades voluntárias, é em geral reduzido e que isso se deve à distância que separa entidades burocráticas e apelegadas de trabalhadores operosos, politizados, esclarecidos.
Para não me referir a acontecimentos mais antigos, registro que, em novembro de 1990, o presidente Fernando Collor baixou a Medida Provisória nº 275, que dispunha sobre a extinção da Contribuição Sindical. O projeto de conversão foi relatado pelo deputado Mário Lima, combativo presidente do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, o qual apresentou emenda no sentido de que a eliminação se desse em três etapas anuais. O projeto, nº 58/90, foi retirado após obstinada resistência das confederações, federações, sindicatos e centrais.
Destarte, pelo menos desde 1990 a matéria é alvo de debates e, se entidades existem despreparadas para a perda da arbitrária receita, é porque deixaram de se precaver no devido tempo. Quanto ao Executivo federal, resta-lhe demonstrar respeito ao art. 8º, da Constituição, onde se prescreve que “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato” e que é vedado ao poder público “a interferência e a intervenção na organização sindical”.
A sabedoria do deputado Augusto Carvalho, autor da emenda aprovada na Câmara dos Deputados, consiste em não propor que seja extinta a Contribuição, mas em transformá-la em recolhimento facultativo. A partir do instante em que a legislação entrar em vigor, caberá a cada empregado, no exercício dos direitos de cidadania, resolver se paga, ou se discorda de fazê-lo, conforme a sua melhor conveniência. Assinale-se, ademais, que a proposta do representante do PPS harmoniza-se com o princípio de livre associação fixado na Convenção 87 da OIT e presente nos artigos 5º e 8º da nossa Lei Maior.
Cumpre, afinal, recordar que a Exposição de Motivos do Projeto de Lei de Relações Sindicais, assinada pelo então Ministro do Trabalho e Emprego Ricardo Berzoini e remetido ao Congresso pelo Presidente Lula, destaca como um dos objetivos da reforma “a extinção de qualquer recurso de natureza parafiscal para custeio das entidades sindicais e a criação da contribuição de negociação coletiva”.
Se houver, apesar de tudo, quem venha a interpretar o exercício do direito de se opor ao pagamento do Imposto Sindical como atitude antiética, imoral e vulnerante das garantias fundamentais dos cidadãos trabalhadores, a palavra derradeira caberá ao Supremo Tribunal Federal. Nunca aos sindicalistas, interessados no dinheiro, ou ao Ministério do Trabalho.
Fonte: Correio Braziliense

Nenhum comentário: