segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O País à espera de regulamentação

Sob pressão do Executivo e do Judiciário, o Legislativo está retomando a discussão em torno da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis no Brasil
Maria da Conceição, 62 anos. Com uma forte dor na barriga ela se dirigiu ao posto de atendimento médico mais próximo de sua casa, na Messejana. Ao chegar, uma enfermeira já foi logo pedindo para que ela se encaminhasse ao Instituto José Frota (IJF), pois ali ela não seria atendida. Mesmo sofrendo com a dor, pegou um ônibus, caminhou com dificuldade mais 15 minutos e chegou ao hospital. Lá, recebeu a notícia de que não poderia ser consultada por um médico. Apenas casos graves estariam sendo recebidos. Uma enfermeira lhe passou uma cartela de aspirinas e pediu que voltasse para casa para descansar. Os médicos estavam em greve.
Dois dias depois, ao saber que a paralisação havia acabado, retornou mais uma vez para o hospital, onde foi atendida e recebeu o diagnóstico de pedra no rim. Passado o sufoco, Conceição afirma: “Com saúde não dá para brincar. Não só eu, mas muita gente sofre com isso (greve). Mas vamos fazer o quê se a greve é a única coisa que faz o trabalhador ser ouvido?”
Nas palavras da aposentada, está o resumo de um dos principais dilemas para o País. Com 19 anos de atraso, o Congresso Nacional, impulsionado pelo Governo Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), começou, finalmente, a discutir a regulamentação da greve dos servidores públicos civis brasileiros. Essa regulamentação, prevista inicialmente para acontecer logo após a formulação da Constituição, em 1988, nunca saiu do papel. A discussão reaparece agora, depois de greves que, em diversos estados, atingiram setores essenciais como saúde e segurança. A questão que está na mesa de discussões em Brasília é: como conciliar o direito dos trabalhadores de fazer uma paralisação com a continuidade de serviços públicos essenciais para a população?
Negociação
Algumas propostas já foram formuladas para tentar responder essa pergunta. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou, através da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério do Planejamento, um projeto de lei que prevê, entre outras coisas, que em alguns setores considerados essenciais, os trabalhadores devem manter ao menos 40% dos serviços funcionando em períodos de greve. O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou um outro projeto, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e que determina um sistema de plantão entre os grevistas para que não se chegue aos 100% de paralisação. Há ainda o projeto de Lei de autoria da deputada Rita Camata (PMDB-SC), que tramita na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados e que especifica multa para os sindicatos que desrespeitarem a legislação.
Todas essas propostas, no entanto, só voltaram aos holofotes no Congresso após um ultimato dado pelo Supremo Tribunal Federal. Os ministros do STF declararam que, se o Legislativo brasileiro não aprovar uma regulamentação ao direito de greve dos servidores públicos, eles mesmos acabarão por decidir quais deverão ser os limites das greves. A determinação mexeu com os brios do Congresso, que se apressa agora para discutir as propostas em tramitação.
No outro lado da mesa de negociação, as centrais sindicais consideram importante a regulamentação mas prometem bater de frente contra uma legislação que limite o direito de greve. “Este é um direito constitucional que serve a todos os trabalhadores brasileiros. Não é possível que o governo determine um percentual (de continuidade do trabalho) maior do que o que está previsto nas convenções internacionais, de 30%”, afirma o presidente da CUT no Ceará, Francisco Jerônimo do Nascimento.
Nas próximas páginas, O POVO discute a necessidade de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos federais, estaduais e municipais.
E-MAIS
A palavra "greve" foi designada para tratar das paralisações de trabalhadores somente no final do século XVIII. Trabalhadores insatisfeitos com suas condições de trabalho e com os baixos salários se reuniam em uma praça em Paris, na França, chamada de "Place de GrÕve". O nome da praça vinha do acúmulo de gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena. "Greve", portanto, deriva de graveto.
O dia internacional da mulher foi definido como sendo 8 de março devido a uma greve realizada por trabalhadoras têxteis nos Estados Unidos em 1857. Elas pleiteavam melhores condições de trabalho, redução na jornada de 17 para 8 horas diárias e um salário equivalente ao dos homens. O problema é que elas não tinham direito à greve e, para serem ouvidas, ocuparam as instalações da fábrica onde trabalhavam. Em represália, os patrões fecharam as portas, jogaram gasolina no telhado e atearam fogo no edifício. Todas as manifestantes morreram queimadas.
É considerada uma das primeiras greves da humanidade, mesmo que na época não fosse assim denominada, a recusa coletiva das mulheres de Atenas e Esparta de fazerem sexo com seus maridos enquanto eles não terminassem a Guerra do Peloponeso, no ano de 431 antes de cristo.
STF
Através de mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal determinou que o Congresso deve regulamentar o direito de greve de servidores públicos civis em 60 dias. Este prazo se encerrará no final de novembro. O mandado de injunção é uma ação constitucional garantida ao STF, que, quando identifica alguma lacuna na legislação, deve avisar ao Poder Legislativo que direitos estão sendo corrompidos com a falta de alguma lei específica. Nesses casos, o STF recomenda ou determina - como no caso do direito de greve - que o Legislativo regulamente a questão.
Fonte: O Povo

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