quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Trabalho e globalização

Globalização é um termo banalizado e repetido ao léu, usado para se referir ao complexo de mudanças ocorridas na acumulação capitalista, principalmente a partir das duas últimas décadas do século passado, devido às novas tecnologias que alteraram radicalmente as formas de produzir, de gerenciar a produção e as relações de trabalho, tanto nos países de capitalismo avançado como naqueles em desenvolvimento. Impulsionado pelas novas tecnologias de informação, comunicação, automação com base na microeletrônica, robotização, novas matérias-primas, biotecnologia, o sistema capitalista entrou numa nova etapa de acumulação, conhecida como reestruturação produtiva, com ganhos surpreendentes em produtividade, qualidade, tempo, mas com reflexos hediondos para os empregos, para o mundo do trabalho.
A euforia geral com os ganhos na produtividade, as possibilidades de fragmentação e dispersão geográfica da produção, o uso cada menor do trabalho vivo levou a teses precipitadas sobre o trabalho: Adeus ao proletariado (André Gorz, 1980) e O fim dos empregos (Jeremy Rifkin, 1995) para citar alguns. Apocalíptico, Rifkin afirmava: “Estamos entrando em um novo período da história em que as máquinas, cada vez mais, substituirão o trabalho humano na produção de bens e serviços. (...) e provavelmente chegaremos a uma era sem trabalhadores...” O trabalho deixaria de ser central na produção da vida humana e as máquinas substituíram de forma vertiginosa o trabalho vivo, os trabalhadores humanos.
Mas o que se viu e vê, é que tais teorias não tiveram respaldo científico e caem por terra no confronto com a vida real. O proletariado subproletarizou-se em empregos cada vez mais precários, mal remunerados, com redução ou eliminação de garantias legais mínimas, numa exploração e expropriação brutal e selvagem do trabalho e dentro da lógica de expansão da acumulação flexível que além da incorporação de inovações tecnológicas economizadoras de mão-de-obra fincou bases na terceirização, subcontratação, na flexibilização de direitos trabalhistas e na ocupação informal.
Não foi possível dar adeus ao proletariado, nem o trabalho humano tornou-se descartável ou eliminável. O que vem ocorrendo de forma assustadora é um decréscimo global dos empregos decentes, dignos, ou seja, do trabalho formal com contrato, salário, jornada, direitos sociais e um crescimento contínuo das relações e ocupação informais de trabalho. O Brasil não está fora deste movimento global do capitalismo. Aqui, com a falácia de se garantir o emprego, desde os anos 1990, justifica-se o arrocho da renda do trabalhador e a retirada e diminuição de direitos sociais conquistados arduamente com lutas e mortes. Impera o discurso, ou melhor, a chantagem de “flexibilizar para ter o emprego”.
Temos menos de 40% da população economicamente ativa (PEA) em trabalho formal, sendo boa parte em empregos terceirizados e outras formas precárias de contratação; cerca de 9% da PEA desempregada; 58,1% ou 38,1 milhões de trabalhadores no trabalho informal (boa parte dele atrelado à ilegalidade, pirataria); um salário mínimo vergonhoso, uma renda média do trabalho formal que não vai muito além de R$ 1,1 mil e encargos trabalhistas como férias, 13% e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que fazem da nossa mão-de-obra uma das mais baratas do mundo.
Por isso, urge desmistificar, desmarcar e romper com o discurso vale-tudo em nome de se “salvar o emprego” e implementar políticas públicas que incentivem a expansão de empregos formais, decentes, da reinserção dos trabalhadores desempregados, coibindo e repelindo a defesa da informalidade como inerente ao capitalismo atual, necessária e provedora da sobrevivência e assistência social, tendo como pano de fundo o discurso do fim dos empregos e perda da centralidade do trabalho na vida humana na atual fase de acumulação global de capitais. Nunca a exploração do trabalho foi tão essencial e necessária ao capitalismo, como na atualidade, e pactuar, permitindo uma expropriação tão voraz do trabalho, o que pode gerar graves problemas sociais num futuro não muito distante. Isso já se desenha em países do Primeiro Mundo – Estados Unidos, União Européia (UE) – e aqui: aumento da imigração ilegal, aumento de atividades ilegais, como contrabando, pirataria, aumento da informalidade, perda de captação de receitas via fisco, erosão do estado de direito e expansão da anomia (prevalecia do estado bandido).
Valor Econômico

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