Marcio Pochmann*
Com a expansão da economia nacional em torno dos 5%, o Brasil passou a gerar cerca de 2,5 milhões de empregos ao ano. Considerando que o país ainda não dispõe de um efetivo sistema público de emprego, capaz de combinar simultânea e articuladamente as funções de intermediação de mão-de-obra, capacitação profissional e pagamento de benefícios vinculados ao risco do exercício do trabalho extensivo à População Economicamente Ativa (PEA) nos mais de 5.500 municípios brasileiros, cabe analisar as razões da prevalência do anacrônico processo de seleção de pessoal adotado, em geral, pelas empresas.
Atualmente, sabe-se que há, em média, quatro trabalhadores disponíveis para cada vaga aberta no mercado nacional de trabalho. Isso quando se combina o estoque estimado de 8 milhões de desempregados com os 2,3 milhões de novos ingressantes por ano na força de trabalho, o que resulta em mais de 10 milhões de demandantes de vagas para cerca de 2,5 milhões de ocupações abertas quando a economia consegue crescer 5%.
Havendo exigências na contratação compatíveis com os requisitos do posto de trabalho, como qualificação profissional e experiência de trabalho, a oferta de mão-de-obra disponível reduz-se de 10,3 milhões para cerca de quatro milhões de trabalhadores, encurtando a relação de menos de dois candidatos por vaga aberta pelo desempenho da economia. Isso tudo sem considerar a desconexão espacial existente entre a localidade do posto de trabalho gerado com a região de residência da mão-de-obra qualificada disponível. Uma vaga, por exemplo, é gerada na cidade de Campo Grande, mas com trabalhador com o perfil exigido disponível apenas em São Paulo.
É nesse complexo ambiente de ausência de um efetivo sistema público de emprego que as empresas precisam tomar decisões de contratação de seus empregados. Ao se reconhecer ainda o predomínio das micro e pequenas empresas no universo dos estabelecimentos patronais do país, geralmente sem dispor de um departamento de pessoal eficiente no processo seletivo, constata-se uma das principais razões para o uso recorrente da absurda rotatividade da mão-de-obra, com mais de 10 milhões de demissões anuais no regime formal de emprego.
Nesse sentido, a vigência de contratos de trabalho por curta duração termina sendo adotada tanto como aprendizagem pelo empregado como teste seletivo no próprio local de trabalho pelo empregador. Em geral, a empresa admite e demite com facilidades para selecionar entre vários contratados, aquele que de fato preencherá os requisitos realmente desejados.
Assim, a proliferação da contratação seguida da posterior e imediata demissão reforça a natureza de contida confiança entre patrões e trabalhadores, ao mesmo tempo em que converte investimento na formação em mero custo trabalhista adicional e restringe o trabalhador de contribuir com doze prestações à previdência social ao longo do um ano. Em síntese, a anomalia do baixo investimento patronal em preparação da mão-de-obra leva à exclusão social e previdenciária dos trabalhadores instáveis pela rotatividade.
No ano de 2006, por exemplo, quase oito milhões de trabalhadores foram demitidos sem justa causa no emprego formal do setor privado urbano. Essa enorme flexibilidade quantitativa no interior do mercado de trabalho teve um custo de 12,7 bilhões de reais (3% da folha de pagamento) na seleção de trabalhadores e com pouco impacto na preparação da mão-de-obra para o trabalho qualificado. Da mesma forma, a repetição contínua desse vai-e-vem no mercado poderá postergar por 70 anos os requisitos necessários ao acesso do trabalhador à aposentadoria, já que, submetido à rotatividade, ele não consegue completar 12 meses de contribuição em um ano.
Todo esse anacronismo no processo seletivo termina por ocasionar adicionalmente a despesa de mais de 12 bilhões de reais com o benefício do seguro desemprego. Isso porque o Brasil ainda teima em não diferenciar a demissão individual (processo seletivo da empresa) da rescisão coletiva (fator econômico), fazendo com que o atendimento público do trabalhador realmente desempregado por situação econômica desfavorável incorpore empregados submetidos ao modelo ultrapassado de escolha de empregados pelos patrões.
Não obstante a expressiva magnitude de 25 bilhões comprometidos pelo processo seletivo de emprego formal de trabalhadores no Brasil pelo setor privado, deve-se adicionar também a quantia de mais 10 bilhões de reais associada à qualificação de mão-de-obra pelas instituições oficiais. São os casos das instituições do chamado Sistema "S" e daquelas vinculadas ao ensino técnico e à qualificação profissional de curta duração.
Esse conjunto de instituições consagra fundamentalmente a formação fora do local de trabalho. Mas o que ganha importância atualmente é a formação no interior do local de trabalho, a partir dos requisitos impostos pelo perfil da empresa e pela especificidade da organização e gestão da mão-de-obra, para o qual o Brasil praticamente não avançou.
Não parece haver dúvidas de que a condição necessária para que o Brasil evite a perspectiva de um apagão da qualificação passa inexoravelmente pela modernização do processo seletivo de empregados pelas empresas privadas, responsável pelo comprometimento de R$ 35 bilhões ao ano (quase 10% da folha de pagamento do país ou 1,4% do PIB nacional). A constituição de um verdadeiro sistema público de emprego deve possibilitar não somente a redução de custos no trabalho, bem como a eficiência e racionalização do processo seletivo da mão-de-obra.
*Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.
Valor
Com a expansão da economia nacional em torno dos 5%, o Brasil passou a gerar cerca de 2,5 milhões de empregos ao ano. Considerando que o país ainda não dispõe de um efetivo sistema público de emprego, capaz de combinar simultânea e articuladamente as funções de intermediação de mão-de-obra, capacitação profissional e pagamento de benefícios vinculados ao risco do exercício do trabalho extensivo à População Economicamente Ativa (PEA) nos mais de 5.500 municípios brasileiros, cabe analisar as razões da prevalência do anacrônico processo de seleção de pessoal adotado, em geral, pelas empresas.
Atualmente, sabe-se que há, em média, quatro trabalhadores disponíveis para cada vaga aberta no mercado nacional de trabalho. Isso quando se combina o estoque estimado de 8 milhões de desempregados com os 2,3 milhões de novos ingressantes por ano na força de trabalho, o que resulta em mais de 10 milhões de demandantes de vagas para cerca de 2,5 milhões de ocupações abertas quando a economia consegue crescer 5%.
Havendo exigências na contratação compatíveis com os requisitos do posto de trabalho, como qualificação profissional e experiência de trabalho, a oferta de mão-de-obra disponível reduz-se de 10,3 milhões para cerca de quatro milhões de trabalhadores, encurtando a relação de menos de dois candidatos por vaga aberta pelo desempenho da economia. Isso tudo sem considerar a desconexão espacial existente entre a localidade do posto de trabalho gerado com a região de residência da mão-de-obra qualificada disponível. Uma vaga, por exemplo, é gerada na cidade de Campo Grande, mas com trabalhador com o perfil exigido disponível apenas em São Paulo.
É nesse complexo ambiente de ausência de um efetivo sistema público de emprego que as empresas precisam tomar decisões de contratação de seus empregados. Ao se reconhecer ainda o predomínio das micro e pequenas empresas no universo dos estabelecimentos patronais do país, geralmente sem dispor de um departamento de pessoal eficiente no processo seletivo, constata-se uma das principais razões para o uso recorrente da absurda rotatividade da mão-de-obra, com mais de 10 milhões de demissões anuais no regime formal de emprego.
Nesse sentido, a vigência de contratos de trabalho por curta duração termina sendo adotada tanto como aprendizagem pelo empregado como teste seletivo no próprio local de trabalho pelo empregador. Em geral, a empresa admite e demite com facilidades para selecionar entre vários contratados, aquele que de fato preencherá os requisitos realmente desejados.
Assim, a proliferação da contratação seguida da posterior e imediata demissão reforça a natureza de contida confiança entre patrões e trabalhadores, ao mesmo tempo em que converte investimento na formação em mero custo trabalhista adicional e restringe o trabalhador de contribuir com doze prestações à previdência social ao longo do um ano. Em síntese, a anomalia do baixo investimento patronal em preparação da mão-de-obra leva à exclusão social e previdenciária dos trabalhadores instáveis pela rotatividade.
No ano de 2006, por exemplo, quase oito milhões de trabalhadores foram demitidos sem justa causa no emprego formal do setor privado urbano. Essa enorme flexibilidade quantitativa no interior do mercado de trabalho teve um custo de 12,7 bilhões de reais (3% da folha de pagamento) na seleção de trabalhadores e com pouco impacto na preparação da mão-de-obra para o trabalho qualificado. Da mesma forma, a repetição contínua desse vai-e-vem no mercado poderá postergar por 70 anos os requisitos necessários ao acesso do trabalhador à aposentadoria, já que, submetido à rotatividade, ele não consegue completar 12 meses de contribuição em um ano.
Todo esse anacronismo no processo seletivo termina por ocasionar adicionalmente a despesa de mais de 12 bilhões de reais com o benefício do seguro desemprego. Isso porque o Brasil ainda teima em não diferenciar a demissão individual (processo seletivo da empresa) da rescisão coletiva (fator econômico), fazendo com que o atendimento público do trabalhador realmente desempregado por situação econômica desfavorável incorpore empregados submetidos ao modelo ultrapassado de escolha de empregados pelos patrões.
Não obstante a expressiva magnitude de 25 bilhões comprometidos pelo processo seletivo de emprego formal de trabalhadores no Brasil pelo setor privado, deve-se adicionar também a quantia de mais 10 bilhões de reais associada à qualificação de mão-de-obra pelas instituições oficiais. São os casos das instituições do chamado Sistema "S" e daquelas vinculadas ao ensino técnico e à qualificação profissional de curta duração.
Esse conjunto de instituições consagra fundamentalmente a formação fora do local de trabalho. Mas o que ganha importância atualmente é a formação no interior do local de trabalho, a partir dos requisitos impostos pelo perfil da empresa e pela especificidade da organização e gestão da mão-de-obra, para o qual o Brasil praticamente não avançou.
Não parece haver dúvidas de que a condição necessária para que o Brasil evite a perspectiva de um apagão da qualificação passa inexoravelmente pela modernização do processo seletivo de empregados pelas empresas privadas, responsável pelo comprometimento de R$ 35 bilhões ao ano (quase 10% da folha de pagamento do país ou 1,4% do PIB nacional). A constituição de um verdadeiro sistema público de emprego deve possibilitar não somente a redução de custos no trabalho, bem como a eficiência e racionalização do processo seletivo da mão-de-obra.
*Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.
Valor
Nenhum comentário:
Postar um comentário